Relator: Dr. Carlos Alberto Landi
Médico Especialista em Pediatria pela AMB com Habilitação na Área de Atuação de Medicina do Adolescente, Preceptor do Internato da Faculdade de Medicina do Centro Universitário São Camilo no Ambulatório de Medicina do Adolescente e Secretário do Departamento Científico de Adolescência da SPSP.
Texto divulgado em 15/07/2013
INTRODUÇÃO:
Dentre todas as drogas psicoativas o álcool é, sem dúvida, a mais utilizada em nossa sociedade e nas últimas décadas podemos observar que seu uso deixou de ser um problema da idade adulta, atingindo também adolescentes e crianças.
A curiosidade natural do adolescente leva-o a experimentar novas sensações e prazeres. O estímulo do grupo, a influência da mídia e as próprias características da adolescência (busca de identidade, tendência grupal com separação progressiva dos pais, vivência temporal singular, flutuações de humor, sensação de invulnerabilidade) levam o adolescente a experimentação de uma séries de comportamentos, inclusive no que diz respeito ao uso de drogas. Felizmente, à medida que assume outros papéis na vida adulta o consumo de drogas é frequentemente interrompido.
Estudos do CEBRIDE (Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas Psicotrópicas) que confirmam a precocidade do uso são semelhantes a outros internacionais. Portanto os Pediatras devem estar atentos, especialmente os que atuam em Prontos Socorros, aos casos de intoxicação aguda pelo álcool e seu manejo, especialmente porque nos últimos anos houve uma ampliação da faixa etária atendida em Unidades de Pronto Atendimento Infantil.
EPIDEMIOLOGIA:
O último estudo do CEBRIDE (Centro Brasileiro de Informação Sobre Drogas Psicotrópicas) realizado em 2010 (VI Levantamento Nacional sobre o Consumo de Drogas Psicotrópicas entre Estudantes do Ensino Fundamental e Médio da Rede Pública e Privada de 26 capitais Brasileiras e Distrito Federal) e que pela primeira vez entrevistou estudantes de escolas públicas e privadas num total de 50.890 estudantes sendo a faixa etária de maior representatividade a de 13 a 15 anos, apesar de mostrar uma queda sensível no uso de drogas psicotrópicas entre os estudantes comparando com os dados do levantamento anterior (2004) mostrou que o consumo de álcool é ainda bastante elevado entre eles, com início do uso já em faixa etárias de 10-12.
Ainda sobre o início do uso do álcool dados do Catrod (Centro de Referência em Álcool, Tabaco e outras Drogas) mostram que 40% dos adolescentes e 16% dos adultos que procuram tratamento relatam terem experimentado bebida alcoólica antes dos 11 anos de idade, muitas vezes estimulados pelos próprios pais. Além disso, é comprovado que quanto mais cedo ocorre a experimentação, maior o risco de consumo regular, além de ser porta de entrada para o uso de outras drogas.
Assim, devemos estar preparados para o atendimento destes adolescentes e jovens , tantos pelos danos diretos do consumo mas também pelos indiretos (acidentes e outras situações de violência).
O alcoolismo (Síndrome da Dependência de álcool) é sem dúvida um grave problema de saúde pública. Trata-se de uma patologia de caráter crônico, passível de muitas recaídas e responsável por inúmeros prejuízos clínicos, sociais, trabalhistas, familiares e econômicos. Além de estar associado a situações de violência (sexual, doméstica,suicídio, assalto, homicídio), acidentes de trânsito e traumas.
Hoje vamos nos ater ao manejo da intoxicação alcoólica.
ÁLCOOL E SEUS EFEITOS:
O etanol é um líquido volátil, incolor e é o principal responsável pelos efeitos da alcoolização. Por ser rapidamente difusível tanto em água quanto em lípides é prontamente absorvido a partir do estômago e do intestino para a corrente sanguínea. Esta difusibilidade permite a penetração em todos os compartimentos aquosos de organismo, sendo que a concentração sanguínea reflete a concentração em outras partes do organismo o que permite que as concentrações no ar expirado e na urina sejam utilizadas como medidas indiretas da concentração sanguínea. A eliminação do etanol ingerido faz-se diretamente através de difusão nos pulmões e rins (10%), sendo o restante metabolizado no fígado numa velocidade de 10ml/hora no adulto.
O álcool tem diversos efeitos no organismo:
1 – Sistema Nervoso: É a sede dos principais efeitos do álcool, onde age como potente depressor. Este efeito depressor tende a se iniciar nas áreas mais superiores, progredindo de modo descendente. Chama a atenção nas intoxicações graves o acometimento dos centros respiratório, vasomotor e termorregulador. Resultam daí quadros caracterizados por depressão respiratória, vasodilatação periférica, hipotermia e choque.
2 – Trato Gastrointestinal: O efeito se dá principalmente quanto às funções secretoras e de motilidade
3 – Concentrações altas são poderosos irritantes da mucosa gástrica, levando à hiperemia congestiva e inflamação, e até mesmo a uma gastrite erosiva.
Rins: Ação no nível do sistema neuroipofisário, inibindo a secreção do hormônio antidiurético.
Para entendermos os efeitos do álcool no organismo, faz-se necessário termos em mente alguns conceitos fundamentais:
– Unidades de Álcool:
– Mede o consumo de álcool
– Cada Unidade da Substância equivale a 10 gramas de álcool puro
– Unidades de Álcool = Volume da Bebida X Concentração Alcóolica da Bebida
– A quantidade de Unidades de Álcool ingerida delo indivíduo estabelece se é um beber de baixo risco ou em binge
– Aceita- se como baixo risco para desenvolver problemas as quantias de 21 Unidades de álcool no período de 1 semana para o sexo masculino e 14 Unidades de álcool para o sexo feminino, também no período de 1 semana.
– Já para o beber em binge (bebedeira, farra) define- se como beber 5 doses para os homens e 4 doses para as mulheres em uma única ocasião. O beber em BINGE tem sido associado a padrão típico de adultos jovens e adolescentes e os efeitos podem ser influenciados por uma série de fatores:
– Peso: quanto maior o peso do indivíduo, menor a concentração sanguínea de álcool
– Idade: quanto mais precoce o início do uso, maiores as chances de prejuízos cerebrais e problemas relacionados ao beber
– Velocidade de consumo: quanto mais rápido o consumo da bebida, maior o tempo de metabolização e eliminação do conteúdo alcoólico ingerido
– Presença de alimento no estômago: diminui as chances de intoxicação rápida
– Número de doses consumidas: quanto maior o número de doses, maior a tendência à intoxicação.
Dependendo da concentração sanguínea do álcool são as manifestações clínicas e o tratamento:
a) Níveis baixos (50-150mg%): sintomas leves de intoxicação:desinibição, euforia, incoordenação motora leve a moderada
b) Níveis moderados (150-300mg%): acometem sistema límbico e cerebelo, levando à sonolência, instabilidade emocional,fala arrastada, ataxia e diminuição das respostas motoras
c) Níveis elevados (>300mg%): acentua-se a depressão do sistema límbico e cerebelar e do sistema reticular ativador ascendente com piora das disfunções motoras e cognitivas, havendo diminuição progressiva dos níveis de consciência, com letargia , estupor e coma
d) Níveis muito altos (500mg%): predomina o acometimento bulbar, com aprofundamento do coma, hipotermia,hipotensão e depressão respiratória
QUADRO CLÍNICO E MANEJO DA INTOXICAÇÃO ALCÓOLICA AGUDA:
A intoxicação alcóolica aguda é uma condição clínica transitória decorrente da ingestão de bebidas alcoólicas acima do nível tolerado pelo indivíduo, que produz alterações psíquicas e físicas capazes de interferir com seu funcionamento normal.
Dependendo da quantidade de álcool ingerida estas manifestações variam de leve embriaguez a anestesia, coma ,depressão e, raramente , morte.
Dentre as alterações de comportamento podemos ter:
– Exposição moral
– Comportamento sexual de risco
– Agressividade
– Labilidade de humor
– Diminuição do julgamento crítico
– Funcionamento social e ocupacional prejudicado
– Alterações variáveis do afeto: excitação , alegria, irritabilidade
– Alterações da fala (fala pastosa ou arrastada)
– Alterações do comportamento: impulsividade , agressividade, diminuição do desempenho motor e ataxia
– Alterações do pensamento: pensamento lento, redução da capacidade de raciocínio e juízo crítico
– Hálito etílico
– Conjuntivas hiperemiadas
– Marcha ébria
Além dos efeitos diretos do álcool não podemos deixar de lembrar do aumento à suscetibilidade a acidentes de trânsito, violência, ideação suicida e tentativa de suicídio.
Ao atendermos um paciente com intoxicação alcoólica aguda devemos:
– Anamnese: quantidade ingerida, tipo de bebida, ingestão alimentar concomitante, associação com outras drogas, alcoolismo pregresso, comorbidades .
– Exame físico: avaliação dos sinais vitais e necessidade de suportes, sinais de intoxicação aguda, avaliação da existência de traumas ou lesões secundárias a comportamentos violentos, evidências de patologias ou seqüelas em decorrência do uso crônico. Aferir temperatura axilar e PA
– Exames laboratoriais: se possível determinar a concentração sanguínea de álcool, glicemia capilar, eletrólitos,hemograma, função renal e hepática (se evidências de uso crônico), gasometria para avaliar função respiratória nos casos de maior gravidade.
Tratamento:
– Casos leves e moderados não precisão de tratamento especial – assegurar a interrupção da ingesta, decúbito lateral (evitar broncoaspiração e/ou vômitos), ambiente tranqüilo, seguro e sem estímulos, monitorar funções vitais.
– Se agressivo ou com agitação psicomotora: imobilizar de forma adequada .Se necessário Benzodiazepínicos (10mg IM), com cuidado para não provocar narcose. Se necessário sedação usar haloperidol 5mg IM cada 30 minutos até alcançar efeito desejado.
Casos grave e coma alcoólico:
– Lavagem gástrica
– Manutenção sinais vitais
– Oxigenação
– Correção dos distúrbios hidreletrolíticos
– Administrar glicose 50% precedido de Tiamina 100mg IM
– Suporte Ventilatório se necessário
– Hemodiálise se alcoolemia maior que 500mg/100ml
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Laranjeira R, Dunn J, Araújo MR Álcool e Drogas na Sala de Emergência UNIAD(Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas) Departamento de Psiquiatria , Escola Paulista de Medicina , Universidade Federal de São Paulo – São Paulo 01- 13
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