A criança e a depressão em tempos de pós-isolamento

A criança e a depressão em tempos de pós-isolamento

Sociedade de Pediatria de São Paulo
Texto divulgado em 10/05/2022


 

Nestes tempos pós-quarentena, vimos várias alterações no comportamento das crianças ao retomarem uma rotina de vida mais próxima da que levavam antes das restrições e do “Fique em casa!”.

Algumas dessas mudanças tiveram início já durante o isolamento pela própria condição de vulnerabilidade trazida pelo medo do contágio pela covid-19 e pelo clima assustador que se instalou frente à impossibilidade de controlar a situação, mesmo por parte dos adultos.

Todos, indistintamente, tinham possibilidade de serem contaminados e adoecerem gravemente e isso, muito frequentemente, agravou o medo das crianças por fantasiarem a perda dos pais, justo estes que deveriam sempre protegê-los.

As crianças também tiveram uma quebra importante nas oportunidades de encontros e interações enriquecedores com indivíduos da própria idade e com os outros adultos que são significativos em sua vida, como avós, tios, professores.

E, dois anos parece uma eternidade para uma criança…

No retorno às atividades, muitas crianças se sentiram receosas com a possiblidade de não conseguirem se “enturmar”, de não saberem como reatar as amizades ou fazer novos amigos, um abalo na autoestima por se verem inseguras quanto as suas capacidades e competências.

Em outras, a dificuldade ou impossibilidade em acompanhar o aprendizado online produziu uma ansiedade muito grande pelo receio de não “conseguir mais aprender”, de tirar notas baixas, de repetir o ano ou decepcionar os pais, e que só foi sentido no retorno às aulas presenciais.

Então, vamos percebendo crianças ansiosas, inquietas, agitadas, irritadiças, agressivas, tristes, com dificuldade em se concentrar, com reações inesperadas, às vezes desproporcionais às circunstâncias, mais isoladas ou caladas, mais apegadas aos pais, com insônia ou dificuldade para dormir, sem nenhum apetite ou com muito apetite, com queixas constantes de dores no corpo ou cansaço para fazer qualquer coisa, sejam as tarefas da escola ou brincar e se divertir.

Os pais podem verbalizar que essas atitudes, esses comportamentos e sentimentos estão relacionados com o estresse, a incerteza e o desconhecido que atravessou a vida das famílias de forma geral e das crianças, em particular. E estão corretos.

Podem acreditar que é só uma fase e que com paciência tudo volta ao normal.

Aí, já precisamos ter mais cuidado e estar muito atentos.

E por quê?

Porque a pandemia e o isolamento alteraram todos os pontos de referência e de segurança que as crianças tinham e que lhes davam a sensação de controle, de que podiam prever como iria ser o seu dia seguinte e se preparar para ele, dormir e acordar como todos os dias e de que podiam cuidar das coisas que faziam parte de sua rotina – escola, amigos, pais, irmãos, diversão…

E, de pronto, não havia nada para reassegurar a criança de que tudo iria ficar bem de novo.

Então, pode não ser apenas uma fase.

Os pais precisam prestar muita atenção para o caso dessas queixas persistirem, de piorarem ao invés de diminuírem, de que a criança não consiga ou não queira aumentar o contato com os amigos ou mesmo sair e brincar mais tempo fora de casa ou, ainda, voltar a ter comportamentos e atitudes muito infantis para a idade.

Porque um combinado de comportamentos ou sentimentos, de modo muito duradouro, que modificam e prejudicam muito a interação da criança com as coisas e pessoas que fazem parte de seu mundo, podem sinalizar que estamos frente a um quadro de depressão infantil, que traz muito sofrimento emocional, com consequências importantes para o desenvolvimento da criança.

A depressão infantil afeta exatamente as condições e situações por meio das quais a criança é estimulada a crescer, a aprender, a se fortalecer, a construir suas habilidades e competências em todos os campos.

Nestes casos, é importante que a criança possa ser avaliada para confirmar o que exatamente está acontecendo com ela e para que os pais possam ser auxiliados quanto ao que podem ou precisam fazer para ajudá-la.

Os pais não devem hesitar em procurar auxílio.

Podem falar com a orientadora da escola da criança e solicitar orientação e apoio. Podem buscar atendimento pediátrico e psicológico em alguma unidade da Rede Básica de Saúde. Podem, ainda, conversar com o pediatra da criança, se a criança dispuser de um médico que a acompanhe.

O mais importante é entender que a criança faz parte de uma família e que, juntos, fica mais fácil encontrar uma forma de ajudá-la a tratar essas dificuldades, superá-las e retomar o curso de sua vida novamente.

Relatora:
Vera Ferrari Rego Barros
Presidente do Núcleo de Estudo sobre Depressão entre Crianças e Adolescentes da Sociedade de Pediatria de São Paulo