A cirurgia pediátrica em época de pandemia

SPSP – Sociedade de Pediatria de São Paulo
Texto divulgado em 29/05/2020


Relator: José Roberto de Souza Baratella
Departamento Científico de Clínica Cirúrgica em Pediatria da SPSP

Dentre os inúmeros desafios proporcionados pela pandemia da COVID-19, um dos mais importantes diz respeito às cirurgias a serem realizadas nas crianças.

Embora surpreendentemente o organismo infantil seja de certo modo protegido da ação deletéria do vírus – por mecanismos ainda desconhecidos – os relatos de óbito em pacientes jovens começam a aparecer na literatura, gerando questionamentos dos cirurgiões pediátricos e dos pediatras a respeito da oportunidade de cirurgia em crianças. Não se pode esquecer que a cirurgia, por si só, é ato que interfere no equilíbrio imunológico do paciente, debilitando-o.

Deve-se lembrar também que, nos dias que correm, todos os recursos hospitalares, incluindo pessoal médico e de enfermagem e recursos de UTI, estão voltados principalmente ao atendimento das vítimas da pandemia.

Além disso, é importante considerar a possibilidade de contaminação pelo SARS-Cov-2 tanto do paciente submetido à cirurgia, como das equipes médicas e paramédicas envolvidas no processo.

Nessas condições, as indicações cirúrgicas, para o momento que se vive, podem ser divididas em duas categorias, cujos principais exemplos são citados a seguir:

 

  1. EMERGÊNCIAS (casos com risco de morte ou de perda de órgão)
  • Abdome agudo
    a.
    Inflamatório
    apendicite
    enterocolite necrosante, com suspeita de necrose ou perfuração
    b. Obstrutivo
    volvo de intestino (vício de rotação no RN; outras causas na criança maior)
    atresias intestinais
    anomalias anorretais
    megacolo congênito
    hérnia inguinal encarcerada
    invaginação intestinal não passível de redução incruenta
  • Anomalias congênitas
    atresia do esôfago
    hérnia diafragmática (Bochdaleck)
  • Traumas
    após avaliação judiciosa (não esquecer que a grande maioria de lesões de vísceras parenquimatosas em trauma abdominal fechado admite conduta conservadora)
  • Lesões isquêmicas
    torção de testículo e de ovário
  • Pacientes em UTI
    traqueostomia
    acesso venoso

 

  1. URGÊNCIAS (casos eletivos em que o atraso cirúrgico significa prejuízo para o paciente)
  • casos oncológicos
  • hérnia inguinal
  • atresia de vias biliares (porto-enterostomia)
  • colecistectomia em casos sintomáticos
  • cistos branquiais e tireoglosso previamente a quadros infecciosos
  • orquipexia em paciente acima de 1 ano de idade
  • esplenectomia para doenças hematológicas
  • gastrostomia (na impossibilidade de outra via nutricional)

 

Todos os demais casos, cirurgias consideradas eletivas, deverão aguardar o fim da pandemia para o agendamento.

É importante assinalar que devem ser realizados pré-operatoriamente testes para avaliar a eventual contaminação do paciente, a não ser que a emergência do caso torne este passo impossível. Nessas condições, estes testes devem ser realizados assim que se possa.

 

Referências

  1. American College of Surgeons [homepage on the Internet]. COVID-19 Guidelines for Triage of Pediatric Patients [cited 2020 Mar 24]. Available from: org/covid-19/clinical-guidance/elective-case/pediatric-surgery
  2. Global Initiative for Children’s Surgery [homepage on the Internet]. COVID-19 resources for GICS members [cited 2020 Mar 24]. Available from: https://www.globalchildrenssurgery.org/gics-network/covid-19-resources/
  3. Associação Brasileira de Cirurgia Pediátrica [homepage on the Internet]. Nota técnica: COVID-19 [cited 2020 Apr 15]. Available from: http://www.cipe.org.br/novo/nota-tecnica-covid-19