Em 1947, a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença.”
Este é um conceito válido até os dias de hoje; entretanto, quando falamos em SAÚDE DA CRIANÇA, vários adendos merecem destaque. Ser criança no século 21 significa ter uma série de direitos que ultrapassa o básico conceito de saúde, sendo essencial oferecer à criança uma educação plena, respeito, boa nutrição e o fundamental direito à vida com dignidade.
Entre os séculos 19 e 20 foram criados os primeiros Estatutos da Criança. São conjuntos de regras que determinam os direitos e as metas para seu desenvolvimento pleno. A infância passou a ser dividida por fases e foi criado o conceito de adolescência. Em 1959, a ONU (Organização das Nações Unidas) aprovou a “Declaração Universal dos Direitos da Criança”, que inclui direitos como cidadania, igualdade, escolaridade gratuita e alimentação.
Desde 2008, quando a tradicional revista de publicações médicas Lancet publicou uma série de artigos abordando a importância de um conjunto de intervenções ou “janelas de oportunidades”, no período dos “primeiros mil dias da vida de uma criança”, compreendidos entre o tempo da gestação a termo (280 dias) somado aos primeiros dois anos de idade (730 dias), que apresentam alto impacto na redução da mortalidade e morbidade, incluindo danos ao crescimento pôndero-estatural e ao desenvolvimento neurológico da criança, houve uma grande mudança no acompanhamento da saúde das crianças.
Uma das grandes novidades foi a inserção da consulta com o pediatra no terceiro trimestre do pré-natal, fato que representa uma oportunidade de antecipação de riscos e um dos pilares de uma tríade para redução da morbimortalidade perinatal, juntamente com a assistência ao recém-nascido (RN) em sala de parto e a consulta pós-natal dentro da primeira semana de vida.
Além da antecipação de riscos nessa consulta, o pediatra desmistifica temores da família em torno do nascimento e do período neonatal e disponibiliza informações e recursos estratégicos para o enfrentamento e a resolução de situações do cotidiano das famílias e dos bebês.
Posteriormente, seguem-se as consultas periódicas com o pediatra, chamadas de consulta de Puericultura, que podem ser classificadas como uma “arte de promover e proteger a saúde das crianças”, através de uma atenção integral, compreendendo a criança como um ser em desenvolvimento com suas particularidades.
A Puericultura é como se fosse uma especialidade médica contida na Pediatria, que leva em conta a criança, sua família e o entorno, analisando todo o conjunto biopsicossociocultural.
Nessas consultas periódicas, o pediatra observa a criança, indaga aos pais sobre as atividades do filho, suas reações frente a estímulos e realiza o exame clínico. Quanto mais nova a criança, mais frágil e vulnerável ela é, daí a necessidade de consultas mais frequentes. Em cada consulta, o pediatra vai pedir informações sobre como a criança se alimenta, se as vacinas estão em dia, como ela brinca, sobre condições de higiene, seu cotidiano.
O acompanhamento do crescimento, através da aferição periódica do peso, da altura e do perímetro cefálico, e sua análise em gráficos são indicadores das condições de saúde das crianças. Sempre, a cada consulta, bebês, pré-escolares, escolares e jovens devem ter seu crescimento e seu desenvolvimento avaliados.
Crescimento é o ganho de peso e altura, um fenômeno quantitativo, que termina ao final da adolescência. Por outro lado, o desenvolvimento é qualitativo, significa aprender a fazer coisas, evoluir, tornar-se independente e, geralmente, é um processo contínuo.
Veja como falar e escrever sobre SAÚDE DA CRIANÇA é complexo, pois envolve toda uma integração do pediatra com os pais, cuidadores, escola, parentes, comunidade, sociedade, enfim, temos muitos entraves que ainda separam as crianças brasileiras de um cenário onde todas elas possam desenvolver seu potencial e receber todo o afeto de que precisam. São obstáculos novos e antigos que permeiam as áreas socioeconômicas, educacionais e aquelas que envolvem saúde ou políticas públicas.
Mas nós, pediatras, acreditamos que com muito trabalho, persistência e perseverança podemos, sim, realmente, incluir a SAÚDE DA CRIANÇA no estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas na ausência de doenças.
Relator:
Tadeu Fernando Fernandes
Departamento Científico de Pediatria Ambulatorial e Cuidados Primários da Sociedade de Pediatria de São Paulo
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