O dia 18 de maio foi instituído como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes no Brasil, por meio da Lei Federal 9.970/00, com o objetivo de conscientizar e incentivar denúncias.
A data escolhida acontece em memória ao “Caso Araceli”, crime que aconteceu em Vitória, Espírito Santo, há 50 anos, quando uma menina foi sequestrada, mantida em cárcere sob efeito de drogas e estuprada, entrou em coma e, ao ser levada para o hospital, já sem vida, foi abandonada no terreno atrás dele. Este crime que chocou o nosso país ainda nos espanta e revolta, uma vez que os suspeitos foram absolvidos por falta de provas e o caso, arquivado.
Os fatos:
Segundo os dados do último Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que analisou os crimes cometidos em 2021, o Brasil registrou uma média de 130 casos por dia de abuso e exploração sexual.
Um levantamento do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos mostrou que, em 2021, cerca de 74% dos registros de violência sexual contra crianças e adolescentes aconteceram contra meninas.
Das 4.486 denúncias de violação infantil em 2022, 18,6% estavam ligadas a abuso sexual. Dos casos denunciados no país, 40% de crianças têm entre 0 e 11 anos, 30% de 12 a 14 anos e 20% de 15 a 17.
Na Europa, uma em cada 5 crianças é vítima de violência sexual e, em cerca de 80% dos casos, essa violência é cometida por alguém que a criança conhece e em quem confia.
O problema:
Dentro do contexto de violência sexual existem dois tipos de violações: o abuso e a exploração. A diferença entre os dois é que o primeiro é voltado para a satisfação de desejos, sem fins comerciais, e o segundo envolve gratificação, mercantilização e muitas vezes pode estar relacionado a redes criminosas. As formas de abuso de poder vão desde o uso da intimidação física e psicológica, manipulação, chantagem, ameaça, entre outras.
Além da violência sexual, as crianças também sofrem violência psicológica, devido à traição da pessoa responsável por sua educação e proteção. Os autores da violência encontram-se frequentemente em posição de autoridade e/ou com fortes laços afetivos com a vítima (pais, supervisores da escola ou do desporto, acolhimento ou guarda de crianças, etc.).
As causas:
As causas são diversas: sociais, culturais e econômicas. Violência, negligência e abuso de poder são alguns fatores de um conjunto contextual que levam à violência sexual. Os agressores são adultos, em sua maioria homens, que usam a relação sexual para satisfazer desejos e/ou obter vantagens, relacionadas a fins comerciais ou não. Existem diferentes tipos de exploração sexual: trocas sexuais, pedofilia, prostituição, pornografia, turismo sexual e tráfico de pessoas.
A violência pode ocorrer em casa, na escola, em atividades extracurriculares, na rua, na Internet ou nas redes sociais e pode assumir diferentes formas (toque, agressão, violência on-line, prostituição, etc.). Essa violência, praticada no contexto de quebra de confiança, raramente é denunciada à polícia, sendo muitas situações ocorrendo no âmbito familiar, com um impacto psicotraumático profundo e duradouro, com consequências prejudiciais para a saúde física e mental das crianças. Os motivos para a “não denúncia” são: desconhecimento de como ajudar, medo de se expor, não saber identificar uma situação como violenta ou muitas vezes atribuir normalidade a comportamentos suspeitos.
Para a vítima, é muito difícil falar: por medo de não acreditarem ou de represálias, sentimentos de vergonha e culpa, confusão de sentimentos, ignorância da natureza anormal da situação, isolamento, dependência, medo das consequências para a família, reputação ou carreira no esporte.
As soluções:
Nossa sociedade promove a hipersexualização de crianças, incluindo acesso precoce e não regulamentado à pornografia, influência da mídia e marketing inapropriado. Neste contexto, os jovens de hoje exploram e expressam cada vez mais a sua sexualidade nas relações amorosas através das tecnologias de informação e comunicação, nomeadamente nas redes sociais e por meio de mensagens. Isso inclui produzir e compartilhar “sexts”, imagens e/ou vídeos sexualmente sugestivos ou explícitos de si mesmos. Muitas vezes agem desta forma em busca de reconhecimento ou sob pressão dos seus pares ou adultos; no entanto, muitas vezes subestimam os riscos associados a estes comportamentos: cyberbullying, sextortion, aliciamento, incitação à prostituição e outros abusos pedocriminais.
É importante orientá-los quanto às consequências dessa exposição, ficar atento e praticar a prevenção para uma melhor proteção das crianças e adolescentes, além de não deixar que comportamentos de risco aconteçam, como imagens e/ou vídeos de cunho sexual gerados por crianças. Comunicar e acionar as autoridades públicas para que encontrem meios para combater a cibercriminalidade, que ocorre num contexto particularmente alarmante com crianças mais conectadas e, portanto, mais expostas e vulneráveis a predadores sexuais online.
Quanto à denúncia, lembrar que ela é anônima! Mesmo assim, estimativas mostram que existem aproximadamente 500 mil crianças e adolescentes vítimas da exploração sexual no Brasil – porém apenas 7 em cada 100 casos são denunciados. Essa triste realidade de subnotificação ainda está fincada no preconceito, tabus e medo em relação à violência sexual.
Outros pontos que devem ser discutidos:
– a maioria dos casos de abuso sexual contra crianças ou adolescentes ocorre dentro de casa – que ainda é considerada o local onde quem manda são os pais.
– esse tipo de violência se manifesta em formas menos perceptíveis, como fazer a criança sentar no colo, observá-la em situações cotidianas (tirando ou trocando de roupa, no banho, etc.), mostrar os genitais, masturbar-se na frente da criança, acariciar com intenções ambíguas.
Em caso de qualquer suspeita de uma situação de violência sexual de crianças e adolescentes, deve-se denunciar de forma anônima pelo Disque 100, Disque Denúncia – 181 (em SP), Ligue 180 ou pelo aplicativo SABE, sem custo nenhum para o denunciante, em todos os dias da semana, durante 24 horas por dia.
Comentários finais:
Os interesses das crianças e adolescentes devem vir em primeiro lugar e conseguimos isso ao fortalecer os esforços para prevenir a exploração sexual e o abuso sexual e levar os perpetradores à justiça.
Juntos, temos a responsabilidade ética e social de proteger o bem-estar de nossas crianças e adolescentes.
Relatora:
Renata D. Waksman
Presidente da Sociedade de Pediatria de São Paulo
Coordenadora do Blog Pediatra Orienta da SPSP